Guideposts, abril, 1960: "Love of Self", Marguerite C....., pp. 14-17. Carmel, N.Y:
"Era outono, e as colinas em torno da cidade em que vivíamos
flamejavam em vermelho e ouro. Mas eu já não dava atenção a isso. Durante todo
o longo e ardente verão uma sensação de culpa, de indignidade, vinha supurando
dentro de mim. A razão era de crua simplicidade. Na primavera anterior eu
cometera um erro. Traíra meu marido.
Ele de nada sabia. Ninguém sabia, a
não ser o outro homem... e eu nada mais tinha a ver com ele. Talvez tivesse
havido circunstância atenuantes. Talvez não. O fato era que eu atentara contra
o Sétimo Mandamento, e daquele momento em diante odiara-me. Fui à igreja.
Rezei. Pedi a Deus que perdoasse. Mas eu própria não me perdoava.
Nada disse a ninguém, pois tinha
demasiada vergonha. Não estava, entretanto, inteiramente certa de que o homem
envolvido no caso mantivesse igual silêncio. Comecei a imaginar que certa
frieza se manifestava em alguns de meus amigos. Supus achar certa atitude
remota em nossa mãe. Tive certeza de que a minha culpa secreta já não era
secreta.
À proporção que o verão avançava,
minha imaginação mórbida se fazia mais aguda. No dia do meu aniversário,
recordo-me, alguém me mandou um cartão de cumprimentos, com os melhores
desejos, por ser aquela 'a grande data'. A palavra 'a' aparecia em letra maiúscula,
impressa em vermelho. Para mim, era a letra escarlate: 'A', para Adúltera.
Rasguei o cartão com dedos trêmulos.
Minha educação me impusera
consciência severa e exigente ― severa demais, exigente demais. Agora, minha
razão, meu senso de valores, tudo ia se desmoronando sob sua constante pressão.
Eu não podia pensar. Só sabia sentir. Perdi peso. Não dormia.
Meu marido insistiu para que eu fosse
ao médico, mas recusei. Estava começando a pensar que meu marido também sabia
meu segredo, e receava ir a um médico, porque também ele poderia saber, fazer
ou dizer algo para revelar a convicção de que eu era indigna, suja,
imprópria para ser esposa ou mãe. Assim, vivia num inferno, um inferno que eu
mesma construíra.
Foi algo dito por meu marido que me
precipitou para a ação final. Estava ele lendo no jornal algo sobre uma mulher
que abandonara a família, fugindo com outro homem. ‘Livraram-se de boa’ ― disse
ele ― ‘e passarão melhor sem ela!’
Senti dedos de gelo apertando-me por
dentro: meu marido me estava dizendo que sabia meu segredo e desejava ver-se
livre de mim.
Pode haver terrível lógica na mente
desordenada. A mulher que fugira com o amante ― esse era o meu raciocínio ―
mostrava-se mais honesta e menos hipócrita que eu. E meu marido achava que ela
merecia perder a família. Que castigo, então, devia caber-me, na proporção, a
mim cuja vida se tornara uma mentira? Perguntava isso a mim mesma, com
angustiosa intensidade, e algures, dentro de mim, uma voz parecia responder,
com sino abafado que tocasse finados: ‘Não és boa para ninguém. Está atraindo
vergonha para tua família. Deves desaparecer por completo. Então eles poderão começar vida nova sem ti’.
Sem uma palavra a ninguém, subi as
escadas e arrumei uma pequena valise. Apanhei um pedaço de corda e fiz descer
pela janela do dormitório, até o chão. Tornei a descer as escadas, passei junto
de meu marido, entrei na cozinha e saí pela porta dos fundos. Fui para o centro
da cidade e registrei-me, sob nome falso, no hotel mais alto que ali existia.
Meu quarto era no quinto andar. Eu
receava que não fosse bastante alto. Caminhei até a janela e olhei lá para
baixo. A rua, ao fundo, mostrava-se escura, mas eu podia ver as luzes do
trânsito. Tinha horror de morrer, mas a voz interior estava mais alta, agora,
violenta, inexorável, dizendo-me que eu não era digna de fazer parte da raça
humana.
Sentei-me à escrivaninha e escrevi
uma carta a meu marido, dizendo-lhe que o amava, que amava, que amava as
crianças, mas que as coisas seriam melhores assim. Chorei enquanto escrevia,
mas escrevi. A voz continuava a dizer-me que me apressasse. Abri a janela e
fechei os olhos: não ousava olhar. 'Oh! Deus' ― exclamei, em voz alta. E,
voltando-me, sentei-me no peitoril. Deixei-me, então, cair de costas no vácuo
tenebroso.
Caí cinco andares abaixo, esperei
pelo impacto na calçada, pelo nada, pelo esquecimento. Em vez disso fui tomar
sobre a capota de um conversível ali estacionado. Passei através do forro de
lona e caí no assento de trás. Senti dor terrível nas costas e nas pernas.
Então, desmaiei.
Voltei a mim num quarto silencioso de
hospital. Tentei mover-me e não pude. Estava metida em gesso, da cintura para
baixo. Um homem de avental branco olhava para mim. Era muito jovem, e tinha
olhos firmes, compassivos. ‘Sou o seu médico ― disse. ― ‘Como se está sentindo?’
Uma onda de desespero invadiu-me
toda. Eu ainda estava viva, trapalhona tão miserável que fracassara mesmo no
dar cabo de mim. Nem sequer a morte me queria. Senti lágrimas quentes,
afluírem-me aos olhos. 'Oh! Deus' ― exclamei ― ‘Deus, perdoa-me!’
O jovem médico pôs a mão na minha
testa. ‘Ele perdoará’ ― falou calmamente. ― ‘ Não se preocupe com coisa alguma.
Vamos ajuda-la a amar de novo seu próprio eu.’
'Amar de novo seu próprio eu.' Jamais esqueci aquelas palavras. Elas foram a chave que me abriu a porta da prisão de auto-ódio que eu construíra em torno de mim mesma. Continham a verdade que positivamente tornou possível para mim a reconstrução da minha vida." (Norman Vicent Peale, O Poder Do Otimismo)
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